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25 de Abril de 2024
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    A Natureza do Massacre em Realengo (parte 1 de 2)

    Publicado por Nova Criminologia
    há 13 anos

    Introdução:

    Wellington Menezes de Oliveira, o assassino em massa da Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro, é, naturalmente, o alvo mais recente do sensacionalismo da mídia e, consequentemente, dafúria doEstado. [1] Caso inédito no Brasil, o school shooting cativou a imaginação de milhões de brasileiros que, no mesmo instante que conheciam os fatosdo crime ou melhor, os boatos, rotulavam Wellington de máquina assassina, louco, e monstro. Enquanto o sensacionalismo da mídia é motivado pela busca de audiência, o ódioexpressado pela população é movido pela ignorância. [2]

    No presente artigo será discutida, primeiramente, a perspectiva Foucaultiana sobreo conceito de perigosidade e a necessidade ontológica do homem moderno de encontrar justificativaspara crimesque são, como diria Foucault, contra natureza, já que isso é relevante aos muitos por quês levantados diante do massacre em Realengo. Depois, serão analisadas diferentes explicações dadas sobre este crime e seu autor, para que então seja oferecida uma interpretação criminológica quanto a natureza do massacre.

    Perigosidade e crimes contra natureza:

    Quando crimes considerados hediondos capturam a atenção da população, como o caso do massacre em Realengo, as crueis ações do (s) criminoso (s) se tornam alvo de incessante especulação por parte da mídia, de especialistas e da própria população. De acordo com Foucault, foi justamente da necessidade de compreender os motivos por trás de crimes crueis,os quais pareciam não ter explicação, que surgiu espaço no sistema criminal para indivíduosque alegavam ser capazes de explicar o modus operandi de criminosos cujoscrimes pareciam ser aleatórios.[3]A ideia de que existiam indivíduos intrinsecamente perigosos à solta na sociedade permitiu que a psiquiatria, além de outras disciplinas, se estabelecesse como autoridade no sistema criminal.[4]

    No século 19, segundo Foucault, o sistema criminal deixou de se preocupar com o crime e passou a se preocupar com o criminoso, o qual, perante o tribunal, deixou de ser aquele que apenas infringia a lei e se tornou um indivíduo intrinsicamente perigoso.[5] Foi quando se iniciou a psiquiatrização da perigosidade criminal.[6]Nessa época, especialistas opinavam sobre crimes que, além de serem extraordinariamente crueis, não apresentavam evidência de insanidade por parte do criminoso.[7]O que diferenciava estes crimes de outros era o fato destes terem sido realizados em ambientes domésticos.[8]

    Crimes em ambientes domésticos eram crimes particularmente crueis cometidos dentro da própria casa, contra familiares, ou dentro da própria comunidade, contra pessoas com quem se tinha algum tipo de relação. Diferente daqueles crimes considerados ser contra sociedade, que costumavam ser passionais ou motivados por razões materiais, os crimes realizados em ambientes domésticos eram considerados ser contra natureza, pois infringiam não só a lei, mas também valores tidos como fundamentais para a humanidade.[9]Os indivíduos responsáveis por crimes contra natureza eram considerados não só criminosos mas verdadeiros monstros e, com isso, disciplinas forenses se estabeleciam como uma patologia da monstruosidade.[10]

    Explicações sobreo massacre em Realengo:

    Já deve ter ficado claro que, na perspectiva Foucaultiana, o massacre em Realengo não foi um crime contra sociedade,mas sim um crime contra natureza. Não havia razão material que levasse Wellington Menezes de Oliveira, o autor do massacre, a efetuar os disparos contra os alunos da Escola Municipal Tasso da Silveira, muito menos motivo passional. Pelo contrário,o crime foi friamente calculado ao longo de meses e foi realizado conformeo planejado.Portanto, a mesma atitude inquisitiva, a qual abriu espaço para uma patologia da monstruosidade no século 19,rotulou Wellington de máquina assassina, louco, e monstro.

    Ainda nas primeiras horas após o crime, especialistas de diversas áreasarriscaram dizer que Wellington era serial killer e psicopata.Já dias depois do ocorrido, a revista Veja estampou o rosto de Wellington em sua capa com amanchete sensacionalista,O Monstro Mora ao Lado. Iniciaram-se também, como era de se esperar, campanhas de pânico feitas pelos empresários morais e o massacre reacendeu a discussão sobre o Estatuto do Desarmamento,além da discussão sobre a deficiência do sistema educacional brasileiro.

    O aparente desespero dos diferentes especialistas para trazer à tona tudo que poderia ter, possivelmente, instigado em Wellington o desejo de cometer o crime, é resultado da necessidade ontológica do homem moderno de encontrar justificativas para crimes que infringem seus valores mais sagrados. Caso haja consenso sobre as causas do massacre, a sociedade, em sua humanidade, poderá restaurar a falsa sensação de que está imune a novos massacres como o ocorrido em Realengo, pois se considerará preparada para evitar potenciais incidentes.

    Porém, a maioria das explicações sobre o massacre se mostram insuficientes ou são até mesmo triviais. Quando se trata de um massacre como o que ocorreu em Realengo, se há ou não um Estatuto do Desarmamento permitindo que o cidadão tenha uma arma registrada é irrelevante, pois, como disse Mary Ellen OToole, supervisora aposentada da Unidade de Análise Comportamental do FBI,quando [alguém] decide causar tantas mortes, a pessoa está determinada, tem um zelo missionário, e uma pessoa nesse estado é dificilmente detida por obstáculos como leis de restrição ao porte de armas. [11] Além do mais, se não há eficácia no Estatuto que permite o porte legal de arma, também não haverá eficácia na proibição.

    As deficiências do sistema educacional brasileiro, apesar de serem muitas, também são irrelevantes quando se trata de acontecimentos como o de Realengo.Embora school shootings sejam fato inédito no Brasil, só na última década foram 60 nos EUA, 11 na Europa, sendo a maioria na Alemanha, e 4 no Canadá.[12] Se a qualidade e eficiência do sistema educacional de um país fosse qualquer indicação sobre a probabilidade da ocorrência desse tipo de crime, as estatísticas seriam outras: assassinatos em massa seriam comuns nas escolas brasileiras e raras nas européias e norte-americanas.

    As maisrazoáveis especulações quanto as possíveis causas do massacre surgiram assim que especialistas passaram a aceitar livre-arbítrio e a autonomia de Wellington: ele teve, além de intenção de matar, consciência da gravidade de suas ações, e justamente por isso planejou e executou o crime. Com isso, alguns passaram a questionar não o por quê do massacre, mas o por quê das escolhas feitaspor Wellington que o levaram a cometer o crime. Isso, junto às informações sobre o histórico familiar e escolar de Wellington, além de vídeos gravados por ele e depoimentos de alunos sobreviventes, permitiu a seguinte interpretação criminológica sobre o assassino em massa e suas ações.

    Uma interpretação criminológica sobre o massacre em Realengo:

    María Laura Quiñones Urquiza, Criminóloga argentina especializada em criminal profiling , interpretou as circunstâncias do massacre em Realengo de maneira lógica e objetiva:

    El asesino en masa de Rio de Janeiro no era psicópata, un Psicópata no se disculpa, no siente remordimiento porque no lo conoce...La manipulación, el egocentrismo, la insensibilidad y la frivolidad son características simultáneas y constantes en estas personalidades. Menezes dejó ordenes póstumas estando seguro de que se iban a cumplir. Un psicópata es mucho más inteligente que esto y no se hubiese tomado la molestia de justificar sus acciones previamente, para modificar positivamente lo que puedan pensar de él. En la mente de Menezes se configuran dos motivaciones psicológicas fundamentales: la reinvidicación culpógena y la venganza.

    ...Menezes habla de pureza, de un largo proceso para su prístino entierro, porque se considera un mesías, da instrucciones precisas, y deja, como un halo de bondad, el deseo de donar sus bienes a animales que están en la calle, desprotegidos, como lo dejó a él su madre biológica, esto me hace pensar en un proceso de identificación, porque en el fondo debe haberse sentido un perro de la calle, solo esperó el momento para demostrar que no lo es.

    ... Puede que su objetivo haya sido matar a la muchedumbre, pero evidentemente, cuando se expresa de un modo auténtico, el hecho de ser certero con 10 mujeres, una vez que se adueña del escenario, no es una mera casualidad, porque en realidad a la hora de abrir fuego y aniquilar, a quien mata simbólicamente, es a su madre biológica. [13]

    Apesar de ser uma completa e plausível interpretação dos fatos, até a sua publicação,vídeos de Wellington falando sobre o planejamento do massacre ainda não tinham sido disponibilizados. Parte do relato de Wellington no primeiro vídeo divulgado pela mídia, junto a trechos da carta que deixou e depoimento de aluna que sobreviveu ao massacre, sugerem que o tema de sexualidade pode ter configurado importante parte nas causas que levaram ao massacre.

    Em vídeo, Wellington diz:

    A luta pela qual muitos irmãos no passado morreram, e eu morrerei, não é exclusivamente pelo que é conhecido como bullying. A nossa luta é contra pessoas cruéis, covardes, que se aproveitam da bondade, da inocência, da fraqueza de pessoas incapazes de se defenderem. [14]

    Trecho da carta também alude ao tema da sexualidade:

    Primeiramente deverão saber que os impuros não poderão me tocar sem usar luvas, somente os castos ou os que perderam suas castidades após o casamento e não se envolveram em adultério poderão me tocar sem usar luvas, ou seja, nenhum fornicador ou adultero [sic] poderá ter contato direto comigo, nem nada que seja impuro poderá tocar em meu sangue, nenhum impuro pode ter contato direto com um virgem sem sua permissão. [15]

    Por último, depoimento de aluna que ficou diante do atirador explica como Wellington selecionava suas vítimas na sala de aula:

    [Ele] pegava todas as meninas da sala. Pegou, me pegou, aí ele colocava as meninas de costas e perguntava: você é virgem? Você é virgem? Pras meninas responderem. As virgens ele matava. [16]

    É difícil ignorar o tema da sexualidade perante os fatos. Mesmo assim, as investigações tem focado quase que exclusivamente sobre o tema de bullying, já que Wellington foi vítima enquanto estudou na mesma escola onde ocorreu o massacre. O fato de que sua mãe biológica era esquizofrênica também ganhou um pouco de atenção, além de especulações sensacionalistas em sua maior parte sobre a possibilidade de Wellington ser adepto a ideologias radicais islâmicas.

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