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29 de Abril de 2024
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    Consequencias Reais do Sensacionalismo

    Publicado por Nova Criminologia
    há 13 anos

    Introdução:

    O presente artigo visa discutir a exploração de notícias sensacionalistas e sua relação com a revolta da população para com certos crimes e com os anseios punitivistas dos atores do sistema penal. Será discutido o fato de que o sensacionalismo, motivado na maioria das vezes pela busca de audiência, gerao ódio na população que, por sua vez, é movida pela ignorância. Será argumentado que isso tem consequencias reais pois os atores do sistema penal, movidos por uma incontrolável vontade de punir,[1]sentem a necessidade de saciar a sede de vingança da população gerando excessos que produzem impunidade.[2]

    Sensacionalismo, ódio e o fenômeno do punitivismo:

    Antes do massacre em Realengo, dois crimes que revoltaram a população em tempos recentes foram, primeiro, o de Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni, que mataram Isabella Nardoni em 2008 mas que foram julgados apenas no ano passado, e, segundo, o de Ricardo Neis, que atropelou um grupo de ciclistas em Porto Alegre há pouco mais de um mês.

    Até serem condenados por homicídio doloso triplamente qualificado (art. 121, § 2º, incisos III, IV e V), o casal Nardoni foi alvo da maior campanha de sensacionalismo desde Suzane Richthofen, apesar de que, neste meio tempo, outros crimes também foram matéria para notícias sensacionalistas, como o do menino João Hélio. Diferentes canais de televisão, revistas, e jornais levaram à população detalhes e especulações sobre a morte de Isabella. Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni, numa tentativa de reverter o quadro sensacionalista que os condenavam pela morte da garota, deram inúmeras entrevistas e apareceram inclusive no programa Fantástico da Rede Globo para dar sua versão da história. Alegando sua inocência numa atuação dramática pouco convincente, o casal selou seu destino: tornaram-se, perante a população, inimigos número um do Estado.

    Manifestantes, muitos determinados a fazer justiça com as próprias mãos, acamparam enfrente ao fórum durante o julgamento do casal Nardoni, e foi necessário forte presença policial para contê-los. Para estes, pena de morte não seria o bastante, pois o casal teria de sofrer castigos bárbaros para que pudessem pagar pelo seu crime. O advogado de defesa do casal chegou, inclusive, a ser agredido, e entrava no tribunal diariamente sob as vaias e os insultos dos manifestantes. Após o julgamento, ao ser questionado sobre o motivo que o levou a defender o casal, o criminalista Roberto Podval disse, com estas ou outras palavras, que era para protegê-los da fúria do Estado. A fúria a qual Podval se referia era não só a fúria da população, mas também a fúria dos atores do sistema penal, expressada pela sua vontade de punir.

    Mais recentemente, Ricardo Neis, que há pouco tempo ocupava as manchetes dos principais veículos de comunicação do país por ter atropelado grupo de ciclistas em Porto Alegre, foi indiciado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul por 17 tentativas de homicídio triplamente qualificadas (art. 121, § 2º, incisos II, III e IV). O que instigou o ódio na população nesse caso foi vídeo gravado por cinegrafista amador no momento do atropelamento em massa, que se proliferou rapidamente na internet. Neis foi taxado de assassino, embora não tenha causado a morte de nenhum ciclista, e teve de ser protegido por inúmeras vezes da população que, ao mesmo tempo que o condenava de um crime hediondo, queria, ironicamente, linchá-lo nas ruas.

    A fúria dos atores do sistema penal também foi evidente neste caso. O Ministério Público optou por distorcer categorias dogmáticas, com intuíto de maximizar os efeitos punitivos,ao invés de denunciar Neis, 17 vezes, por lesão corporal consumada, o que tornaria o procedimento muito mais céleree deixaria a defesa sem tese.[3] O professor de Ciências Criminais Salo de Carvalho comentou sobre a posição do Ministério Público:

    Movidos por uma incontrolável vontade de punir este desejopode ser muito bem compreendido no campo da psicanálise , os acusadores incorrem em excessos que inviabiliza a própria acusação.

    No caso concreto, a distorção das categorias dogmáticas com intuito de produzir os maiores efeitos punitivos e sensacionalistas possíveis, em realidade abre espaço para que uma provável condenação seja obstaculizada. Em termos muito claros: o excesso da acusação possibilitou uma defesa em um caso perdido.

    O problema é que, no final das contas, em caso de não-punição ou de anulação ou reforma da denúncia , a culpanão será imputada à desproporcionalidade ou ao exagero da acusação, mas certamente às benesses legais, às falhas do Judiciário, às artimanhas dos defensores...

    O efeito: novas campanhas inquisitórias editadas pelos empresários morais.[4]

    O sensacionalismo usado pela mídia para gerar audiência, portanto, tem consequencias reais. Além de gerar e reinforçar o ódio na população desinformada, notícias sensacionalistas são capazes de influenciar o próprio sistema penal, que por sua vez também gera sensacionalismo, criando assim uma espécie de circulo vicioso.

    Considerações finais:

    Muitos diriam que a fúria do Estado em casos como os que foram aqui discutidos, são movidos não pela ignorância mas pela emoção do público diante de certas atrocidades, mas isso não é verdade. Se fosse por amor ou compaixão pelas vítimas que a população demonstra tamanha indignação com crimes específicos, os tantos outros casos como o da garota Isabella 61% dos assassinatos de crianças de até 5 anos são cometidos pelos pais[5] receberiam o mesmo tipo de atenção, e crimes como o de Ricardo Neis não cairiam no esquecimento, como já caiu depois de pouco mais de um mês do crime. Apenas a ignorância, e o ódio que brota em consequencia,são capazes de alimentar a fúria do Estado, que ao mesmo tempo que culpa réus por crimes bárbaros antes mesmo que os fatos possam vir à tona, os castigariam, caso fosse possível, de maneira ainda mais bárbara.

    De qualquer forma, aqueles que sim, são guiados pela emoção ao ponto de desejar fazer justiça com as próprias mãos, são, de acordo com termos da Filosofia Estóica, patéticos, já que deixar-se ser guiado por pathê, ou emoção, causa a perda do controle sob a razão. Ser apático diante de crimes como o assassinato de Isabella Nardoni,o atropelamento em massa de ciclistas, e até mesmo o massacre em Realengo, significa simplesmente que a fatalidade das cirscunstâncias dos crimes não instigana pessoa reações passionais, permitindo que seja usada a razão para que seja determinada os motivos que levaram ao crime e a culpa do criminoso. Justamente o que o sensacionalismo busca eliminar.

    Referências Bibliográficas:

    De Carvalho, Salo. Dos Excessos Que Produzem Impunidade.Web log post. Antiblog De

    Criminologia. 26 de março, 2011. Web. 13 de abril, 2011.

    impunidade.html>.

    Friedman, Susan Hatters, Sarah McCue Horwitz, and Phillip J. Resnick.Child Murder by

    Mothers: A Critical Analysis of the Current State of Knowledge and a Research Agenda.

    The American Journal of Psychiatry.Setembro de 2005. Web. 13 de abril, 2011..

    [1]De Carvalho, Salo. Dos Excessos Que Produzem Impunidade. Web log post. Antiblog De

    impunidade.html>.

    [2]De Carvalho, Salo. Dos Excessos Que Produzem Impunidade. Web log post. Antiblog De

    [3]De Carvalho, Salo. Dos Excessos Que Produzem Impunidade. Web log post. Antiblog De

    [4]De Carvalho, Salo. Dos Excessos Que Produzem Impunidade. Web log post. Antiblog De

    [5]Friedman, Susan Hatters, Sarah McCue Horwitz, and Phillip J. Resnick. Child Murder by

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