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25 de Abril de 2024
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    Sobre a consciência de um promotor americano

    Publicado por Nova Criminologia
    há 13 anos

    Nunca alguém foi tão preciso quanto Piero Calamandrei , ao falar da nobre missão do promotor de justiça:

    Entre todos os cargos judiciários, o mais difícil, segundo me parece, é o Ministério Público. Este, como sustentáculo da acusação, devia ser tão parcial quanto um advogado; como guarda inflexível da lei, devia ser tão imparcial como um juiz. Advogado sem paixão, juiz sem imparcialidade, tal é o absurdo psicológico no qual o Ministério Público, se não adquirir o sentido do equilíbrio, se arrisca, momento a momento, a perder, por amor da sinceridade, a generosa combatividade do defensor, ou, por amor da polêmica, a objetividade sem paixão do magistrado.

    Só quem é Ministério Público pode compreender a que se refere o mestre peninsular.

    Para ilustrar esse sentimento, valho-me de um episódio que provocou forte debate na crônica judiciária norte-americana, muito bem explorado em um texto da Georgetow University , de autoria de David Luban , intitulado The Conscience of a Prosecutor .

    Em 2008, o New York Times noticiou que um veterano promotor de justiça de Nova York, Daniell Bibb , fora designado para rever a condenação de dois homens ( Olmedo Hidalgo e David Lemus ), por crime de homicídio ocorrido em 1990, diante de indícios de que havia ocorrido um erro judiciário. O caso ficou conhecido como o Palladium Murder , porque o homicídio ocorreu em um Nightclub em East Village chamado Palladium.

    Ao final de 21 meses de investigação, o promotor Bibb convenceu-se de que ambos os réus, já condenados e cumprindo pena havia 14 anos, eram inocentes. Seu desafio era o de reparar aquele trágico erro, visto que o Promotor-Chefe ( Manhatan District Attorney) não admitia reverter a decisão. Bibb, então, radicalizou:."I did the best I could, he said. To lose.

    Os dois homens foram, afinal, libertados, mas restou o debate entre os que concordaram com a atitude de Bibb e os que, mesmo diante da necessidade de reparar o erro, o criticaram por haver agido em desacordo com o Promotor-Chefe.

    O promotor-assistente, Daniell Bibb, contou o seu dilema:

    Àquela altura, eu tinha as seguintes opções: a primeira era renunciar ao cargo, o que, a despeito de gerar uma boa cobertura da mídia, não levaria o problema para uma solução justa, com o prolongamento da prisão de dois homens inocentes; a outra alternativa era me insubordinar, recusando-me a comparecer à audiência e correr o risco de ser demitido. Falando em termos práticos, nenhuma dessas opções eram verdadeiramente uma opção, pois eu tinha uma esposa, três filhos e uma hipoteca e taxas escolares para pagar. A única opção foi a que eu tomei, ou seja, eu fiz o que qualquer promotor deveria fazer: trabalhei para assegurar um resultado que estivesse em conformidade com minha consciência, os princípios éticos e as provas do caso.

    As reações verificadas em alguns setores do meio judiciário dos EUA talvez se expliquem pela maior dificuldade de conceber, em um sistema tão adversarial quanto o norte-americano, o papel diferenciado do promotor de justiça em relação ao que desempenha um advogado. Quando uma pessoa acusado de um crime procura um advogado, este deve lutar, dentro das regras e limites do Direito, para que seu cliente vença a disputa com o acusador; este, por sua vez, deve estar disposto a vencer, mas apenas se concordar que tal solução representa a justiça do caso concreto.

    Mesmo nos Estados Unidos, há uma regra que orienta e condiciona a atuação dos promotores públicos: a função de um promotor é a de procurar justiça, não vitória ( to seek justice, not victory ). Em termos deontológicos, assim reza o Código Modelo de Responsabilidade Profissional ( ABA Model Code of Professional Responsability ):

    A responsabilidade de um promotor público difere da de um advogado qualquer: seu dever é o de procurar a justiça, e não simplesmente o de condenar .

    A origem mais remota, no direito norte-americano, dessa regra situa-se em uma decisão tomada em 1935 pela Suprema Corte, no caso Berger v. United States :

    O Promotor nos Estados Unidos (...) em uma persecução criminal não é a de vencer a causa, mas a de fazer justiça. Desse modo, ele é em um peculiar e bem definido sentido, o servo da lei, cujo duplo objetivo é o de que culpados não escapem e que inocentes não sofram.

    É preciso que seja assim, principalmente em um país conhecido por sua megaestrutura persecutória com a polícia equipadíssima e bem treinada e o Ministério Público com amplos poderes de investigar, acusar e negociar pena e que, a despeito de possuir uma Constituição (e suas Emendas) assentada em regras de limitação do poder estatal e em direitos individuais, forja um dos sistemas punitivos mais rigorosos do mundo ocidental (sobre o tema recomenda-se a leitura de Harsh Justice , de James Whitman ). Por isso mesmo é que as garantias do processo penal americano se apresentam como a matter of life and death .

    A conclusão mais importante que deixa David Luban, no que toca à conduta do promotor Daniell Bibb, é a de que

    A consciência do promotor é o guardião invisível de nossos direitos, assim como o advogado de defesa é o guardião visível. O que fez com que a conduta de Bibb no caso Palladium aparentasse tão expressiva foi o fato de que o guardião invisível se tornou visível.

    O desabafo de Bibb, a seu turno, mostra o quanto tendemos a qualificar um profissional em razão de único caso em que atuou e que, por algum motivo, se tornou mais conhecido:

    Eu me tornei um caso. É a pior coisa do mundo - ser conhecido por uma única coisa. Esqueçam tudo o que eu fiz de bom, todas as persecuções penais que promovi ao longo dos anos, todos os delinqüentes que eu pus atrás das grades.

    Com a consciência de um Promotor de Justiça, arremata:

    Eu não trabalhei para o outro lado; eu trabalhei para o que eu imaginei ser a coisa certa a fazer .

    Para saber mais sobre esse caso, acesse os seguintes endereços eletrônicos:

    1. Doubting Case, a Prosecutor Helped the Defense New York Times http://www.nytimes.com/2008/06/23/nyregion/23da.html?pagewanted=3

    2. The Conscience of a Prosecutor David Luban

    http://scholarship.law.georgetown.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1366&

    3. Berger v. United States - 295 U.S. 78 (1935)

    http://www1.law.umkc.edu/suni/wrongful_convictions/Berger.htm

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