Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
26 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    Colaboração premiada e tribunal do júri.

    Publicado por Nova Criminologia
    há 14 anos


    A Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, ao prever hipóteses de benefícios àquele que, concorrendo para a prática de crime, presta colaboração voluntária à persecução estatal, trouxe a lume intrincado debate no meio jurídico[1]. Em especial, os arts. 13 e 14 da lei disciplinam, respectivamente, hipóteses de concessão de perdão judicial[2] e de causa especial de diminuição da pena[3]. Passado mais de um ano de sua vigência, ainda hoje há espaço para a investigação dogmática, além da discussão que traga, no âmbito pragmático, a ampliação de sua eficácia e aplicação no cotidiano forense.

    A par da pergência acerca de aspectos variados do instituto, as condições elencadas nos incisos do art. 13, bem assim no caput do art. 14, ensejam dois entendimentos: necessidade de satisfação cumulativa ou alternativa. Para o presente estudo, prestigiamos a posição que sustenta ser bastante o atendimento de uma só das três condições, alternativamente[4].

    Acolhida a tese alternativa, vislumbramos a aplicação da Lei nº 9.807/99 aos crimes dolosos contra a vida, cuja competência é assegurada pela CR/88 ao Tribunal do Júri. Se os jurados, em resposta aos quesitos formulados, analisando as circunstâncias e conseqüências da infração, concluírem que o acusado, sendo primário, de personalidade favorável, colaborou efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, daí resultando a identificação daqueles que concorreram para o crime, o juiz-presidente declarará extinta a punibilidade, concedendo ao réu o perdão judicial (art. 13, I). Se, não obstante a colaboração voluntária do acusado para a identificação dos demais participantes, não for tal colaboração efetiva (ausência de nexo de causalidade entre a colaboração e a identificação; ineficácia quanto ao fim pretendido pela lei), se as circunstâncias objetivas não forem favoráveis ao réu, ou ainda se este for reincidente, deverá o juiz-presidente prolatar sentença condenatória, reduzindo porém a pena aplicada, de um a dois terços (art. 14).

    Por respeito aos princípios da soberania dos veredictos e do juiz natural, ao Tribunal Popular está reservada a aferição dos requisitos objetivos e subjetivos, sob pena de ofensa à Constituição Federal. Tanto a negativa de formulação de quesitos relacionados às teses que se possam extrair da lei em tela, quanto sua restrição, subtraindo-se do Conselho de Sentença o exame de qualquer das condições (objetivas ou subjetivas), caracterizam vício insanável e rendem ensejo à declaração de nulidade por ofensa aos princípios constitucionais da soberania do Júri e da plenitude da defesa[5].

    A tese do perdão judicial seria desdobrada em quatro quesitos, assim redigidos: "a) o acusado colaborou efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal? b) dessa colaboração resultou a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa?[6] c) o acusado é primário? d) as circunstâncias do crime e a personalidade do acusado autorizam a concessão do perdão judicial?". A resposta negativa a qualquer dos quesitos prejudica os subseqüentes.

    Eventualmente afastado o perdão judicial, negado que seja qualquer dos requisitos (art. 13, caput, I, e parágrafo único), conforme o caso, o acusado poderá beneficiar-se, ainda, da causa de diminuição de pena, que atua de forma subsidiária, por não exigir a "efetividade" da colaboração (eficácia em relação aos efeitos pretendidos pela norma), nem primariedade ou personalidade e circunstâncias favoráveis. Note-se que, desde que sustentada em plenário a tese que consubstancia o perdão judicial, negada esta, o juiz-presidente estará obrigado a indagar a respeito da causa de diminuição, formulando quesito único, nos seguintes termos: "o acusado colaborou voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime?"[7].

    Na hermenêutica penal, à luz dos princípios erigidos ao patamar constitucional, deve-se privilegiar a interpretação que traduza, para o processo, a maior eficácia da norma em homenagem à ampla defesa. Em especial relevo no Tribunal do Júri, afastar a soberania do voto em restrição ao sistema de proteção das liberdades é fomentar o autoritarismo e reduzir a dignidade da pessoa humana a um enunciado pálido, sem conteúdo, meramente formal, lançado numa "folha de papel"[8].

    Notas

    [1] V. a respeito: Ferrajoli, Luigi. "Diritto e Ragione - Teoria del Garantismo Penale", 5ª ed., Roma-Bari, Laterza, 1998, p. 858; e Azevedo, David Teixeira de, in Boletim do IBCCRIM nº 83 - outubro/99.

    [2] "Art133333- Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; II- a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III- a recuperação total ou parcial do produto do crime. Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso".

    [3]"Art 1444-- O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços".CfCf. JESUS, Damásio E. de, in Boletim do IBCCRIM n8282 - setembro/99.

    [5] Tivemos a oportunidade de sustentar tais teses em plenário do Júri, em 13.12.99, logo após o advento da Lei n80777777/99, na Comarca de Betim/MG (Processo nº 02799004306-2), em conjunto com a defensora pública Letícia Barra Vieira; teses negadas, respectivamente, por 5 votos a 2 e 4 votos a 3, portanto admitidas à quesitação pelo juiz-presidente.

    [6] Nos crimes conexos submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri, poder-se-iam formular também os seguintes quesitos: "dessa colaboração resultou a recuperação total ou parcial do produto do crime?" (art. 13, III); "o acusado colaborou voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na recuperação total ou parcial do produto do crime?" (art. 14, caput).

    [7] Nos crimes tentados (art. 14, II, CP), seria possível, em tese, invocar a causa de diminuição de pena, ainda com base no ar141414, caput, da Lei n8070707/99: "o acusado colaborou voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na localização da vítima com vida?".

    [8] Lassale, Ferdinand. "Que es Una Constitución?", Buenos Aires, Ed. siglo veinte, 1943, p. 61, trad. W. Roces.

    • Publicações216
    • Seguidores497265
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações3500
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/colaboracao-premiada-e-tribunal-do-juri/2261228

    Informações relacionadas

    Otavio Juan, Advogado
    Artigoshá 2 anos

    Colaboração Premiada

    ADVOGADO MARCELO FIDALGO, Advogado
    Artigoshá 7 anos

    O que é a delação premiada?

    Superior Tribunal de Justiça
    Jurisprudênciahá 6 anos

    Superior Tribunal de Justiça STJ - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AREsp XXXXX DF XXXX/XXXXX-3

    Jurisprudênciahá 3 anos

    Tribunal de Justiça da Paraíba TJ-PB: XXXXX-02.2014.8.15.2003

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)